30/08/2009

SE O CÉREBRO ABRIGA O QUE SOMOS, CRIAR CÓPIAS VIRTUAIS DELE PODE SER O PASSAPORTE PARA UMA CONSCIÊNCIA INDESTRUTÍVEL. (Vejam também o vídeo acoplado)

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ESTE CORPO NÃO TE PERTENCE MAIS!

 
Alguém poderia lhe dizer, quando o upload de sua mente em um robô for concluído com sucesso, numa espécie de reencarnação cibernética que poderá torná-lo imortal. Maluquice? É só uma questão de deixar a imaginação fluir e seguir o raciocínio de alguns cientistas que acreditam que um dia, ainda muito distante, o transplante de mente será viável.
            Já dá para perceber que fazer o upload da mente inteira para uma máquina será fichinha se comparado ao download do sistema que roda em nosso cérebro e cujas especificações ainda mal conhecemos. Se bem que este último detalhe não  preocupa o americano Ray Kurzweil, um dos mais importantes teóricos do assunto. Segundo ele, não será preciso decifrar todo o funcionamento mental para poder copiá-lo. O grande desafio é a cópia em si, ou melhor, a ferramenta que dará conta de reproduzir fielmente o emaranhado dinâmico de redes neurais do cérebro humano em redes de inteligência artificial de computadores.
REENGENHARIA PÓSTUMA
            Uma dessa possíveis ferramentas é  a ressonância magnética (RM). Não a que temos hoje, mas uma bem mais sofisticada, que revele a arquitetura neural até o nível molecular. Ela poderia ser usada de forma invasiva ou não invasiva. No primeiro caso, trata-se de um procedimento pos-morte, em que fatias finíssimas do cérebro seriam escaneadas. Depois, as informações seriam integradas para a construção da rede artificial, e a mente do falecido ressuscitaria num disco rígido. O problema é que o cérebro precisaria estar intacto, e ninguém sabe em que circunstâncias vai morrer. Um acidente que cause perda parcial ou total do cérebro ou uma doença neurodegenerativa das mais graves, como o mal de Alzheimer, por exemplo, poderiam arruinar os planos do candidato ao transplante.
            Por isso, os métodos não invasivos devem ser preferíveis. Além do mais, com o sujeito vivo, o cérebro em ação seria escaneado, o que melhoraria a qualidade da cópia. Hans Moravec, da Universidade Carnegie Mellon (EUA), descreve uma cena desse tipo em seu livro Homens e Robôs. Você está consciente numa sala de operação e um robô, que também é um equipamento de RM, escaneia seu cérebro e ao mesmo tempo escreve o programa que é uma réplica do seu funcionamento mental (isso pode demorar algumas horas, mas o que é um tempinho desses diante da grande promessa da imortalidade?). O programa é então instalado e testado num computador. Sua mente está duplicada e o robô-cirugrião checa se você está satisfeito.
            Supondo Que esteja tudo certo, sua mente artificial pode ser transferida para um andróide (até lá eles serão idênticos a nós, ou quase). Resta saber o que será feito de você em carne e osso. Opção 1: dispensar o corpo e curtir as delícias da imortalidade como um ciborgue. Opção 2: esperar pela morte natural para só depois usar o backup mental – neste caso, tudo o que passar por seu cérebro depois da cópia será perdido, mas isso pode trazer conflitos de identidade. Nem é preciso dizer que as implicações éticas do transplante de mente, se um dia for realizado, serão gigantescas.
                FONTE: SUPER INTERESSANTE: A ciência do impossível. 33 Coisas que parecem irreais, mas não são!
ABAIXO SEGUEM 3 VÍDEOS DE UMA EXPERIÊNCIA REAL, OCORRIDA EM 1940 NA RÚSSIA, DE UMA ESPÉCIA  DE TRANSPLANTE DE CABEÇA E RESSUSCITAÇÃO DE UM CACHORRO. 
Para os de nervos mais sensíveis, não recomento. 
Para os demais é de grande valor, visando ampliar nossas reflexões em torno do tema da imortalidade física. As falas estão em inglês, mas a observação do procedimento cirúrgico dispensa narrativas.



FONTE: http://super.abril.com.br/ciencia/transplante-mente-619263.shtml
http://ahduvido.com.br/imortalidade-tudo-sobre-o-tema








29/08/2009

Árvores artificiais para reduzir carbono

Britânicos defendem uso de árvores artificiais para reduzir carbono

Relatório de instituição de engenharia sugere que é o método mais prático e barato de remover CO2.

 
Por US$ 20 mil (R$ 37 mil), uma única árvore artificial poderia remover o CO2 emitido por 20 carros. (Foto: Institution of Mechanical Engineers/London)


Cientistas britânicos afirmam que o método mais prático e barato de reduzir as emissões de dióxido de carbono na atmosfera é o uso de árvores artificiais.

Em um relatório publicado nessa semana pela Instituição Britânica de Engenheiros Mecânicos, os engenheiros afirmam que por US$ 20 mil (R$ 37 mil), uma única árvore artificial poderia remover o CO2 emitido por 20 carros.

A Instituição afirma que outros métodos potenciais, como o uso de espelhos defletores no espaço, são pouco práticos e demasiadamente caros para serem implementados.

Segundo os engenheiros, as árvores artificiais, que medem cerca de 12 metros de altura, ainda são um protótipo, mas quando finalizadas, poderiam ser instaladas ao longo de rodovias ou perto de turbinas de ar no mar.
As árvores trabalham capturando o CO2 do ar através de um filtro. Depois disso, o carbono seria removido e armazenado. O relatório sugere ainda que novas tecnologias para armazenagem de CO2 continuem a ser desenvolvidas em paralelo ao projeto das árvores.

Uma das sugestões dos cientistas é que o CO2 capturado pelas árvores artificiais poderia ser liquefeito e enterrado no subsolo, talvez em antigos poços de petróleo.

"As árvores artificiais já estão no estágio de protótipo e o design já está avançado em termos de automação e dos componentes que serão usados", disse à BBC Tim Fox, principal autor do documento.

De acordo com ele, as árvores podem ser produzidas em massa em pouco tempo.

Opções
A equipe de engenheiros sugeriu ainda outro método para capturar carbono - a instalação do que chamam de "fotobiorreatores de alga" nos prédios.

Segundo os cientistas, os fotobiorreatores seriam recipientes transparentes que contêm algas que poderiam remover o carbono da atmosfera durante a fotossíntese.

O relatório cita ainda um terceiro método, que se concentra na redução da radiação solar pela reflexão da luz do Sol de volta ao espaço. De acordo com o documento, o modo mais fácil de adotar esse método seria instalar telhados refletores nos prédios.

Os engenheiros afirmam que os três métodos sugeridos no relatório foram escolhidos porque são tecnologias de baixo consumo de carbono e não aumentam ainda mais o problema das emissões.

Além disso, eles afirmam ainda que as três opções são práticas e possíveis com o uso da tecnologia já disponível.

Geoengenharia
Apesar disso, o grupo ressalta que os métodos ainda precisam de pesquisas e estudos.

Para isso, o grupo pediu ao governo britânico um investimento de 10 milhões de libras (cerca de R$ 30,5 milhões) que seriam destinados à análise sobre a eficácia, os riscos e os custos dos projetos de geoengenharia.

"Acreditamos que a geoengenharia prática que estamos propondo deva ser adotada e se torne parte de nossa paisagem em cerca de 10 ou 20 anos", disse Fox.
De acordo com ele, porém, a geoengenharia não deve ser vista como única opção para o combate ao aquecimento global.

FONTE: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1282169-5603,00.html

20/08/2009

A menina da Janela




Todas as tardes quando eu passava por aquela janela, ela estava lá. Linda, risonha, com seus cabelos dourados emoldurando a mais bela escultura em forma de menina. Melissa, esse era seu nome. Melissa nunca saia de casa, via o mundo passar por aquela janela e o mundo passava e a via na janela. Não era possível não notar seu sorriso, seu olhar cristalino mirando o céu. Melissa era daqueles anjos raros que pousam na terra para espantar o negrume da tristeza dos corações humanos. E para isso bastava sorrir. Seu sorriso iluminava.

Quando mudei para ali, não conhecia ninguém. Minha casa ficava perto da dela, há apenas duas praças. Na praça em que ela morava havia um belo jardim, talvez cultivado pela menina, pensava eu sempre que passava por lá. Eu era um homem sozinho, de meia idade, que muito vivi e sofri pelos caminhos tortos que a vida me preparou. No meu rosto já não havia a meigura, nem a doce figura dos sonhos que sonhei quando ainda jovem. Em mim havia um homem, rude às vezes, e mais nada. O meu mundo sem sol se enchia de cor quando voltando, ou vindo para casa, via aquele rosto de luz.

Apaixonei-me. Estar ao seu lado era tudo que podia querer. Uma vida simples era tudo que podia oferecer, mas a menina era pobre, não iria se importar. Com o coração cheio de sonhos e novas esperanças esperei e preparei o dia em que iria me achegar até sua casa. Certamente ela deveria ter um pai severo, uma mãe correta e quem sabe um irmão para espantar os pretendentes. Era preciso preparo, roupa nova, fala elegante e um bom presente para encantar a moça. Afinal, na certa, já houve outros pretendentes. E se esses outros não a conseguiram levar, é pois que estava esperando por mim.

Aprontei-me e aprumei o peito. Vesti a melhor roupa, comprada a prestação na loja da cidade, e fui ansioso a casa daquela menina. Bati, uma mulher com olhar severo veio atender. Sua mãe, imaginei. Não era. 

AUTOR: Sávio Damato

03/08/2009

Cortina de vidro



















A cidade situava-se no antigo território indígena “vale da brisa”, nome que acabou por originar a atual designação do lugar: Brisal.

Brisal, ou vale da brisa, no princípio, era uma região extremamente pacata e quente, habitada apenas por índios e uns raros aventureiros que se decidiam por arriscar a sorte ali. Um dia, porém, tudo começou a mudar. Um daqueles pioneiros, quase ao acaso, descobriu ouro por aquelas bandas, iniciando verdadeira debanda de gente por lá. A cidade das brisas começava a sentir o cheiro forte de seu primeiro ventoral. E ele vinha com força, derrubando e queimando árvores, matando gente, tingindo rios de vermelho, loteando terras e construindo casas.

Algum tempo depois e a cidade já se achava irreconhecível, tamanha a mudança falseada. Fábricas, casas, prédios, condomínios, bancos, praças, pessoas; igrejas, favelas, padarias, mercados, Bancos, financeiras, empreiteiras, loteria, botecos, cinema, teatro, bares, lojas de roupas, roupas de lã, esqui, pessoas; ponto de ônibus, rodoviária, ônibus, carros, charretes, cavalos, pessoas, prefeitura, escolas, creches, farmácias e tudo mais que se possa imaginar... A cidade se agitava e se contorcia no olho do furacão.

O antigo lugarejo pacato agora já dava seus primeiros pitacos na economia mundial. A voz rouca de seus diplomatas, gagos e fanhos, era ouvida e respeitada por todos...

O mundo, nessa época, já não guerreava tanto. Ricocheteava, apenas, nas mãos de uma só nação. Tudo gravitava em torno dela. “O mundo” achava que sem sua influência o caos voltaria a reinar. Mãos verdes com caras de presidentes empunhavam o binóculo e acompanhavam com seus olhos esbugalhados, teleguiados, o tributar do planeta. O César da nova era se impunha com mãos atômicas.

O mundo seguia girando capenga, de bengala velha na mão, caindo de banda, tentando a custo se equilibrar no fio fino que atravessa o abismo do capital.

Mais um dia amanhece sobre a nobre capital. Sim, Brisal agora é capital.

Mas o que é isso? Algo acontece! As pessoas correm em desatino, trombam, tropeçam, caem ao chão. Carros batem, dão freadas bruscas. A mulher reclama, o filho chora, a beata reza, o político se esconde, o policial atira, o bandido se arrepende... O que está acontecendo afinal? Estará instalado o caos, o juízo final? O que é? Diga logo, não faça suspense!

– De onde veio isso ?

– Só pode ter vindo do espaço. Coisa de ET!

– É um sonho? Estou sonhando, mamãe?

– Tenho que me esconder.

– Quero ver eles me pegarem agora.

– Meu deus, vou me atrasar para a entrevista.

– Deve haver um buraco.

– É, o melhor é sentar e ver o que acontece...

Os comentários eram variados, uns se mantinham calmos, outros assustados, outros curiosos e indagadores, mas apesar de tudo o medo trazia a todos uma certeza sobre tudo: Alguma coisa havia mudado.

No centro da cidade, dividindo a rua principal, cortando prédios, praças, carros e bancas de jornal, uma imensa cortina de vidro transparente, impenetrável, se estende em todas as direções rumo ao infinito. O pânico é total. Pessoas correm, trombam umas com as outras, chocam-se com o vidro tentando atravessá-lo. Helicópteros das forças armadas tentam a todo custo vencer o inesperado obstáculo. Inútil! O vidro se entende até o céu, e parece ir além, pois nem os satélites conseguem passar.

Na TV o noticiário informa em plantão especial o incomum episódio que se repetia por todo o mundo.

Mas esperem, ainda não acabou! O pior está por vir! Sabe aquele país que se outorgava o monopólio do mundo? Aquele que roubara de Adão o testamento do paraíso! Pois bem, desapareceu! Isso mesmo, sumiu sem deixar vestígios. O mundo acordou de pernas pro ar. Tudo é uma confusão que só vendo.

O Turco da padaria reclama que não pode cobrar a dívida do João do açougue. A secretária protesta por ter perdido o emprego no escritório que fica do outro lado; o advogado ameaça processar o dono do vidro, pois partiu seu escritório ao meio. Tudo é caos, enfim.

O mercado de ações acha-se perdido, dividido. O que fazer agora que o dono do mundo sumiu? Uns dizem que é um truque para testar a fidelidade dos aliados, outros afirmam ser o teste de uma nova arma de guerra. E os fanáticos, é claro, juram ser o fim do mundo chegando. Cansados de tanto esperar esse fim do mundo que parece estar vindo montado no lombo de um jumento, tamanha a demora, os homens da bolsa resolveram lotear o paraíso, e o inferno também, para quem interessasse. Assim, se a crise não passasse, ao menos os negócios estariam salvos, mesmo que a alma perdida.

E seguiram-se longos meses assim...

Nos primeiros dias após a imensa surpresa, o único som que se ouvia era de sirenes esparsas que percorriam sozinhas as ruas desertas. Na televisão, reprises de novelas e desenhos animados eram mesclados com plantões repentinos, que mais repetiam que informavam. Alguns canais exibiam filmes bíblicos proféticos ou de guerras interplanetárias, julgando o tema mais adequado à ocasião. As pessoas se olhavam desconfiadas. Mercados, padarias, açougues, farmácias, lavanderias e sorveterias mantinham suas portas fechadas. Ninguém saiu de casa por um longo tempo.

Até que, um dia, alguém resolveu esticar o pescoço e ver o que havia lá fora. Um outro alguém, ouvindo o barulho da porta se abrir, resolveu dar uma olhadinha no que aprontava o vizinho. O outro, que não é bobo de ficar para traz, foi ver também. Assim, em pouco tempo centenas de pessoas já estavam de novo a caminhar pela rua. Surpresas sim, pois que tudo era novidade. Mas, como acontece com tudo quanto é novidade, a surpresa passou logo.

Algum tempo depois a vida começava a voltar ao normal. A cidade, agora dividida, nunca esteve tão unida. Todos os dias parentes e amigos se encontravam em frente a grande cortina de vidro para se verem. Mas, apenas se verem, já que a cortina era espessa e não passava som algum.

Passado o susto inicial, logo a economia se acertou. As editoras se apressaram em apagar dos livros de história o nome daquela nação que já não existia mais. Qual é mesmo o nome dela? Ah!... Quem se importa? Já não existe mesmo. Erga-se um memorial, já pichado, homenageando-a e pronto, está resolvido.

E por falar em pichação, não demorou nada, é claro, e a cortina começou a ser pichada. Isso no subúrbio, porque no centro o prefeito contratou artistas consagrados para produzirem grandes obras de arte. Foi destinada também uma pequena parte da cidade, chamada de parque da saudade, para os encontros com os parentes que ficaram para o outro lado. E a vida continua, tem que continuar!

Do outro lado do vidro, uma pequena movimentação começava a tomar corpo. Com o vidro dividindo a cidade, as partes teriam que se tornar autônomas. Afinal, a prefeitura com toda a câmara de vereadores ficara do outro lado. Logo políticos oportunistas de oposição proclamavam em praça pública, na praça dividida, a necessidade de se instaurar um novo governo. E vamos às urnas, queimá-las!

Embora os esforços acrobáticos do governo em conter as centenas de seitas proféticas, apocalípticas e fanáticas que se proliferavam feito pulgas por toda meia cidade, nada parecia adiantar. O fenômeno, de caráter surreal, havia mexido com a cabeça das pessoas.

Em uma das ruas, agora transformada em beco, crianças jogam bola. A mãe observa despreocupada o grande paredão branco que se estende diante de sua janela. Um homem cultiva o quintal, dá algumas picaretadas no vidro tentando apanhar as rosas que ficaram do outro lado. Logo desiste. Crianças desenham. Barracos se escoram à nova parede. Tudo parece indicar que a vida começava a se ajeitar.

Passados meses, o vidro já não era tão claro. Já não se via o outro lado nem nas áreas sem pichação. Estava embaçado, opaco. Quase uma parede branca a se estender ao infinito.

Sem forma de comunicação, aos poucos, parentes e amigos deixados do outro lado foram esquecendo-se. Era como se o muro sempre estivesse ali, sepultando o passado. Vida que segue!

A bolsa recuperou-se da queda. Como o fim do mundo não veio, quem comprou ações do céu acabou falindo.

Um dia, quando tudo voltara ao normal e parecia não haver mais novidades, a cidade acordou com um novo susto. O muro havia desaparecido. Dessa vez as pessoas não se esconderam. Foram para a rua e pararam estupefatas frente ao que havia sido vidro. Olhavam o outro lado. Eram os olhos da multidão sem visão que formavam o muro agora. Um muro de olhos a mirar, procurando algo que não estava mais ali. A multidão se alinhava em sua busca silenciosa. Os olhares se mantinham calados. O que se via? Ninguém sabe.

Naquele dia as pessoas ficaram até tarde. Não atravessaram o limite que imaginaram. À luz de fogueiras ou de estrelas, observaram o outro lado. Olhos baços. O vidro já não estava no espaço. Estava em todos ali. Cacos nos olhos. O que se via? Muros. Cada um o seu.

Do outro lado não havia ninguém. A cidade estava deserta. Prédios devastados indicavam uma guerra. Nuvens escuras, sujas, pesadas, faziam o tempo parar, se arrastar para romper a atmosfera densa dos pensamentos torturados.

A terra da brisa jamais seria a mesma. O mundo nunca mais giraria como tal. Para fronteiras físicas não há mais sentido. Tudo está nos olhos de quem vê. Para alguns o muro ainda está lá. Impenetrável. Perene. Para outros, nunca existiu.

Brisal despertava do sono com portas, janelas e grades nos olhos de seus habitantes. Dizer-se cego é fantasia numa terra onde ninguém mais sabe o que é ver.

Alguns rompem o casulo, atravessam a casca, fronteira consciente da inconsciência. Do outro lado, na terra devastada, afundam os pés descalços. Medos fossilizados, pesadelo dicotômico tomando forma. Inconsistente sombra tangível do inconsciente. Tão real como a sensação de um sonho ruim ao acordar.

Fanáticos já não mais há. A realidade os dizimara. Sob os escombros da memória próteses de pernas sem dono figuram a inércia.

Todos caminham, juntos, sempre sozinhos, pelos escombros. O tudo e o nada se tornam um, partes de um todo que é completo em cada uma de suas partes.

Políticos noctívagos preparam-se para retomar o poder. São cobras que se alimentam de peçonha.

Cada elemento social preserva a síntese de sua sociedade, DNA viral multiplicando-se em organismo alheio. Caminhar por ali era excursionar pelo pior de si. E todos nós também estamos lá, em nós. Realidade física ou mental? Difícil responder, tamanha a realidade irreal.

Mais um dia. Ao acordar, Brisal segue pacata. Indígenas preparam cerimônia ao Deus Sol. Tudo segue tranqüilo. A sensação é que sempre permanecerá assim. O tempo ainda não havia passado. O paraíso original não fora manchado. O tempo permanece pequeno, criança a dormir em nossas mãos. Enfadonho, golfando sonhos. Medindo o comprimento das ameaças. Fortalecendo braços, pés, mãos e pernas. Tudo é pequeno. Ainda é tempo... Ainda há tempo...

Sávio Damato

01/08/2009

O caráter destrutivo - Walter Benjamin


O caráter destrutivo conhece apenas uma divisa: criar espaço; conhece apenas uma atividade: abrir caminho. Sua necessidade de ar puro e de espaço é mais forte do que qualquer ódio.
O caráter destrutivo é jovem e sereno. Pois destruir rejuvenesce, porque afasta as marcas de nossa própria idade; reanima, pois toda eliminação significa, para o destruidor, uma completa redução, a extração da raiz de sua própria condição. O que leva a esta imagem apolínea do destruidor é, antes de mais nada, o reconhecimento de que o mundo se simplifica terrivelmente quando se testa o quanto ele merece ser destruído. Este é o grande vínculo que envolve, na mesma atmosfera, tudo o que existe. É uma visão que proporciona ao caráter destrutivo um espetáculo da mais profunda harmonia.
O caráter destrutivo está sempre atuando bem disposto. A natureza lhe prescreve o ritmo, pelo menos indiretamente: pois ele deve adiantar-se a ela, do contrário ela própria assumirá a destruição.
O caráter destrutivo não se fixa numa imagem ideal. Tem poucas necessidades, e a menos importante delas seria: saber o que ocupará o lugar da coisa destruída. Primeiramente, pelo menos por um instante, o espaço vazio, o lugar onde se encontrava a coisa, onde vivia a vítima. Certamente vai aparecer alguém que precise dele, sem ocupá-lo.
O caráter destrutivo executa seu trabalho, evitando apenas trabalhos criativos. Assim como o criador busca a solidão, assim também o destruidor precisa cercar-se continuamente de pessoas, de testemunhas de sua eficácia.
O caráter destrutivo é um sinal. Assim como um sinal trigonométrico está exposto ao vento, de todos os lados, assim também ele está exposto, por todos os lados, aos boatos. Não tem sentido protegê-lo contra isso.
O caráter destrutivo não tem o mínimo interesse em ser compreendido. Considera superficiais quaisquer esforços nesse sentido. O fato de ser mal entendido não o afeta. Ao contrário, ele provoca mal entendidos, assim como o faziam os oráculos - essas instituições políticas destrutivas. O fenômeno mais pequeno-burguês, o falatório, só acontece porque as pessoas não querem ser mal entendidas. O caráter destrutivo não se importa de ser mal entendido; ele não fomenta o falatório.
O caráter destrutivo é o inimigo do homem-estojo. O homem-estojo busca sua comodidade, e a caixa é sua essência. O interior da caixa é a marca, forrada de veludo, que ele imprimiu no mundo. O caráter destrutivo elimina até mesmo os vestígios da destruição.
O caráter destrutivo se alinha na frente de combate dos tradicionalistas. Uns transmitem as coisas na medida em que as tomam intocáveis e as conservam; outros transmitem as situações na medida em que as tornam palpáveis e as liquidam. Estes são chamados destrutivos.
O caráter destrutivo tem a consciência do indivíduo histórico cuja principal paixão é uma irresistível desconfiança do andamento das coisas, e a disposição com a qual ele, a qualquer momento, toma conhecimento de que tudo pode sair errado. Por isso, o caráter destrutivo é a confiabilidade em pessoa.
O caráter destrutivo não vê nada de duradouro. Mas, por isso mesmo, vê caminhos por toda a parte. Mesmo onde os demais esbarram em muros ou montanhas, ele vê um caminho. Mas porque vê caminhos por toda a parte, também tem que abrir caminhos por toda a parte. Nem sempre com força brutal, às vezes, com força refinada. Como vê caminhos por toda a parte, ele próprio se encontra sempre numa encruzilhada. Nenhum momento pode saber o que trará o próximo. Transforma o existente em ruínas, não pelas ruínas em si, mas pelo caminho que passa através delas.
O caráter destrutivo não vive do sentimento de que a vida vale a pena ser vivida, e sim de que o suicídio não compensa.

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Edição brasileira: BENJAMIN, Walter. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos. Seleção e apresentação Willi Bolle; tradução Celeste H.M.Ribeiro de Sousa (et al.). São Paulo, Cultrix/Edusp, 1986. pp.187-188.