31/05/2009

AOS FILHOS DE HIPERBÓREA

 De acordo com a tradição da mitologia grega, os Hiperbóreos eram um povo mítico vivendo no extremo norte da Grécia, próximo aos Montes Urálicos. Sua terra, chamada de Hiperbória (do grego ύπερ, hiper, "super" ou "além"; e βόρεια, bóreia, "norte"; traduzido como "além do bóreas" [bóreas, o vento norte]), era perfeita, com o sol resplandecente 24 horas por dia. Os gregos pensavam que Bóreas, o deus do vento norte, vivia na Trácia. A Hiperbórea, portanto, era uma nação desconhecida, localizada na parte norte da Europa e da Ásia. Exclusivamente entre os Olímpios, apenas Apolo era venerado pelos hiperbóreos: o deus passava os invernos junto a esse povo. Esses últimos enviavam presentes misteriosos, embalados em palha, que primeiro chegavam a Dodona e depois eram passados de povo em povo até chegar ao templo de Apolo em Delos (cf. Pausânias). Teseu e Perseu também visitaram os hiperbóreos.

Nos mapas gregos do período de Alexandre, o Grande, a Hiperbórea - mostrada por vezes como uma península, por vezes como uma ilha - localizava-se além da França, possuindo maior área latitudinal que longitudinal. Aparentemente a Hiperbórea é o resultado de uma combinação de noções do que hoje seria a Grã-Bretanha e a Noruega/Suécia.

O que impressiona no tocante à Hiperbórea é que a região era uma das muitas terrae incognitae nos mundos grego e romano antigos, ondePlínio e Heródoto, bem como Virgílio e Cícero, relataram que ali as pessoas atingiam idades de mil anos e gozavam de vidas permeadas de completa felicidade. De acordo com Heródoto (4.13), os hiperbóreos viviam para além dos Arimáspios e foram visitados por Aristeas, de quem se diz haver escrito um poema em hexâmetro (hoje perdido) falando daquela raça. Heródoto relata que também Hesíodo menciona os hiperbóreos, "e também Homero em sua Epígones, se é que tal trabalho dele realmente veio." Além disso, dizia-se que o sol nascia e punha-se apenas uma vez ao ano na Hiperbórea; e ali havia quantidades massivas de ouro, guardadas pelos grifos.

Assim como outras lendas dessa natureza, alguns detalhes podem ser conciliados com o conhecimento moderno. Acima do Círculo Ártico, do período do equinócio da primavera até o período do equinócio de outono, o sol brilha durante 24 horas por dia (chamado de "sol da meia noite" - tal fenômeno pode ser visto na parte norte da Suécia, Noruega e Finlândia, por exemplo). No Polo Norte o sol nasce e se põe apenas uma vez ao ano - provavelmente levando à errônea conclusão de que "um dia" para pessoas residentes ali tenha a extensão de um ano, de forma que viver mil dias, portanto, signifique viver mil anos.

 

 

Significado Atual

 O termo "hiperbóreo" é usado atualmente para indicar qualquer um que viva em clima frio. Por exemplo, no sistema de classificação da Biblioteca do Congresso nos Estados Unidos, o termo "Línguas Hiperbóreas" refere-se a todas as línguas desprovidas de relação lingüística pertencentes aos povos que habitam as regiões árticas, como os Inuit (esquimós).

Também são entidades hiperbóreas Ábaris, o sábio, e Ilitía, a deusa cretense.

 

 

Hiperbórea em trabalhos recentes de ficção

 O período temporal de Conan o Bárbaro, famosa personagem de Robert E. Howard, toma lugar em sua fictícia "Era Hiboriana", onde o autor mostra a Hiperbórea como uma região ao extremo norte do continente, habitada por bárbaros de cabelos dourados, ao norte e a leste da terra nativa de Conan, a inclemente Ciméria.

Inspirado por Howard, H.P. Lovecraft usou a Hiperbórea em sua mitologia ao construir sua própria versão da Atlântida.

O também autor Clark Ashton Smith (um correspondente tanto de Lovecraft como de Howard e, como eles, um freqüente contribuidor da revista pulp Weird Tales) criou uma série de dez histórias vividas numa versão da Groenlândia da antigüidade, durante uma era de aquecimento que possibilitava sua habitação. Sua Hiperbórea é cheia de magos, ladrões e estranhos monstros, além de ser abundante em humor satírico.

(Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hiperbórea)

06/05/2009

POR ALGUÉM QUE CAIBA NO MEU SONHO


Todas as tardes quando eu passava por aquela janela, ela estava lá. Linda, risonha, com seus cabelos dourados emoldurando a mais bela escultura em forma de menina. Melissa, esse era seu nome. Melissa nunca saia de casa, via o mundo passar por aquela janela e o mundo passava e a via na janela. Não era possível não notar seu sorriso, seu olhar cristalino mirando o céu. Melissa era daqueles anjos raros que pousam na terra para espantar o negrume da tristeza dos corações humanos. E para isso bastava sorrir. Seu sorriso iluminava.

Quando mudei para ali, não conhecia ninguém. Minha casa ficava perto da dela, há apenas duas praças. Na praça em que ela morava havia um belo jardim, talvez cultivado pela menina, pensava eu sempre que passava por lá. Eu era um homem sozinho, de meia idade, que muito vivi e sofri pelos caminhos tortos que a vida me preparou. No meu rosto já não havia a meigura, nem a doce figura dos sonhos que sonhei quando ainda jovem. Em mim havia um homem, rude às vezes, e mais nada. O meu mundo sem sol se enchia de cor quando voltando, ou vindo para casa, via aquele rosto de luz.

Apaixonei-me. Estar ao seu lado era tudo que podia querer. Uma vida simples era tudo que podia oferecer, mas a menina era pobre, não iria se importar. Com o coração cheio de sonhos e novas esperanças esperei e preparei o dia em que iria me achegar até sua casa. Certamente ela deveria ter um pai severo, uma mãe correta e quem sabe um irmão para espantar os pretendentes. Era preciso preparo, roupa nova, fala elegante e um bom presente para encantar a moça. Afinal, na certa, já houve outros pretendentes. E se esses outros não a conseguiram levar, é pois que estava esperando por mim.

Aprontei-me e aprumei o peito. Vesti a melhor roupa, comprada a prestação na loja da cidade, e fui ansioso a casa daquela menina. Bati, uma mulher com olhar severo veio atender. Sua mãe, imaginei. Não era. Era uma tia, que cuidava da menina. Perguntei se o pai estava. Não estava, havia morrido há anos. A menina era órfã. Estremeci de susto, mas continuei. Aquilo não podia ser um obstáculo ou mal presságio. O que mais uma órfã precisaria que um bom marido que lhe cuidasse?

Convidado a entrar, fui esperar na sala vizinha ao quarto.

– Vou chamar a menina – Disse a tia de voz amarga, pigarreando sem parar.
Meu coração disparou. Finalmente conheceria meu grande amor. Quanto tempo esperei, quanto confabulei imaginando este momento.

Mas o momento era único, impossível de imaginar.
Busquei reparar bem todos os detalhes, guardar todos os sentimentos. Pretendia, um dia, quando já velhos e, eu e ela, nos reuníssemos na sala com os netos, contaria todos os detalhes daquele momento que precedera a felicidade de toda nossa vida.
Um ruído estranho fez-se ouvir vindo pelo corredor, na certa do quarto da menina. É a velha, imaginei. Pus-me de pé. Não queria perder nenhum detalhe de sua entrada. O som crescia e meu coração disparava, já quase saltando, não cabia no peito.
Primeiro vai entrar a velha, eu pensava. Mas não... O que é aquilo? Uma cadeira?
Sm, era uma cadeira. A menina, arrastada pela tia, vinha nela. Era linda como a da janela. Só um detalhe, lhe faltava as duas pernas.
De susto estremeci e quase cai. Meu sonho desmoronou, aportou na noite triste da realidade. E a grande pergunta surgiu: Namoraria a menina sem pernas emoldurada pela janela?
Constrangedoras foram as palavras ditas naquela hora. Realmente havia tido outros, muitos outros pretendentes. Mas, como eu, todos se foram encabulamos, assustados e sem entender que a menina ainda assim era feliz. Tolos somos nós os idealizadores do amor. Ela vivia e amava, sem idealizar nada. Olhava o céu, via as nuvens, as estrelas, e aprendia com elas. Do mais alto sorvia o que precisava para viver. E dali, de sua janela, irradiava luz para as flores do jardim. E elas correspondiam, cresciam, floresciam, enchiam de perfume o quarto da menina órfã, sem pernas, que eu não soube amar, e jamais esqueci.

Hoje, não tenho netos. Pergunto-me se não estariam ali, naquela janela, esperando por mim. Pergunto-me se ali, na praça daquela cidade, não deixara para sempre, emoldurada pela janela, o rosto da minha felicidade. Idealizei e não vivi. E continuei idealizando a vida toda, acumulando desilusões. Tudo porque não soube ver que aquela menina, sem pernas, sabia voar.



AUTOR: Sávio Damato Mendes
CONTATO: saviodamato@yahoo.com.br